Por Dr. Rodrigo Kaz
A luxação de ombro consiste na saída permanente da cabeça do úmero da cavidade glenóide, o que leva a um quadro de dor intensa e impotência funcional dessa articulação. Acredita-se que o primeiro relato de uma luxação do ombro venha dos papiros de Edwin Smith (3000 – 2500 a.C.) no livro mais antigo da humanidade. No entanto, somente por intermédio das descrições de Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da Medicina, é que observamos relatos detalhados sobre a anatomia do ombro, assim como mais de cinco técnicas de redução incruenta (não-cirúrgica) para a recolocação dessa articulação em seu lugar.
Normalmente essas luxações ocorrem depois de traumas indiretos ou diretos sobre o ombro, sendo o mecanismo mais comum a queda do indivíduo com o braço estendido. O quadro clínico é caracterizado por grande deformidade local e dor intensa, que não melhora até o retorno das estruturas ao seu lugar. Para isso é necessário que seja realizada uma manobra de redução com o uso de conceitos de alavancagem e tração, sendo relatadas inúmeras técnicas diferentes para este fim.
Apesar de ser classificada como uma urgência ortopédica, com necessidade de tratamento nas primeiras horas, devemos considerar alguns aspectos antes de realizarmos uma redução. Com a articulação do ombro luxada, ocorre crescente espasmo da forte musculatura local, além de estiramento e compressão das estruturas neurovasculares, o que causa dor intensa que somente cessa coma redução articular.
Quando realizada de imediato, são possíveis as manobras bem-sucedidas com delicadeza e rapidez. A demora da resolução do quadro dificulta as manobras de redução, que em muitos casos só se realizam com sedação e relaxamento muscular específico, tornando-se necessária sua realização em ambiente hospitalar, devido às complicações em potencial das drogas narcóticas utilizadas.
Considerando esses fatos e diante de deformidade grotesca e dor intensa de um atleta em ambiente esportivo, muitas vezes com a mídia ao redor, interrogamo-nos se não seria pertinente a realização de uma manobra de redução imediata. No entanto, outros aspectos do tratamento nos levam a outra direção. A literatura é vasta na descrição de inúmeras manobras, porém com freqüência, na prática clínica, elas se mostram mais difíceis de serem realizadas do que em suas descrições em livros-texto. Além disso, recomenda-se o estudo radiográfico específico do ombro antes da redução, para identificação de fraturas associadas e do tipo de luxação (anterior, posterior, superior ou inferior). Por meio de radiografias podemos diagnosticar fraturas de glenóide ou úmero proximal, que podem apresentar quadro clínico muito semelhante ao da luxação. Nesses casos, as manobras de redução poderiam desviar os fragmentos fraturários, piorando o prognóstico das fraturas, com possíveis lesões de artérias (artéria axilar) e nervos (plexo braquial). Além disso, a identificação do tipo de luxação auxilia a decidir qual manobra será utilizada.
Avaliando o aspecto médico-legal, é importante também a documentação radiográfica e clínica antes e depois de cada manobra de redução incruenta.
As Sociedades Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) e de Medicina do Esporte (SBME) não se posicionam quanto à realização da redução incruenta imediata.
Particularmente considero que manobras heróicas de redução imediata não se aplicam ao mundo moderno. Em lugar delas, sugiro a colocação do membro em posição de maior conforto e o uso de tipóia até a realização de estudo radiográfico. Manobra imediata suave e realizada uma única vez pode se aplicada apenas por profissionais com grande experiência na área. Recomendo, no entanto, que todos os especialistas em medicina esportiva conheçam tais manobras e aprendam a fazê-la, pois podem ser úteis em de luxações em locais distantes e em casos selecionados.
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