O coordenador de doenças osteometabólicas do CREB – Centro de Reumatologia e Ortopedia Botafogo-, o ortopedista Bernardo Stolnicki, publicou o artigo intitulado “Para que a primeira fratura seja a última” na Revista Brasileira de Ortopedia.
É o seguinte o artigo:
O aumento da longevidade faz com que a progressão do número de fraturas seja cada vez mais expressiva. A ocorrência da fratura do quadril, pela sua alta taxa de mortalidade e morbidade e pelo alto custo de tratamento, é o mais importante marcador da efetividade no tratamento da osteoporose. Em países e sistemas que, especialmente na última década, vêm investindo na prevenção da osteoporose e de suas consequências, o número de fraturas do quadril vem diminuindo. O que eles têm em comum é a prevenção secundária de fraturas, ou seja, evitar a fratura seguinte. Visto que metade dos pacientes que tiveram uma fraturado quadril teve uma fratura prévia e que os tratamentos disponíveis provaram ser extremamente eficientes para diminuir fraturas subsequentes, boa parte das fraturas de quadril é evitável. É nesse cenário que o ortopedista desempenha um papel preponderante.
Introdução
Osteoporose é definida como uma doença óssea caracterizada pelo comprometimento da resistência óssea que predispõe a um aumento do risco de fratura. A fratura por fragilidade óssea é a maior expressão clínica dessa doença. Fratura por fragilidade é definida pela Organização Mundial de Saúde como “uma fratura causada por um trauma que seria insuficiente para fraturar um osso normal, resultado de uma redução da resistência compressiva ou torsional”. Do ponto de vista clínico poderia ser definida como uma fratura que ocorre como o resultado de um trauma mínimo, como uma queda da própria altura ou menor ou por trauma não identificado. As fraturas por fragilidade típicas incluem vértebras, fêmur proximal (quadril), rádio distal e úmeroproximal.4Uma fratura por fragilidade é o indicador mais forte de risco de futura fratura. Pacientes que tiveram uma fratura em qualquer sítio têm aproximadamente duas vezes o risco de apresentar uma futura fratura em comparação com indivíduos que nunca tiveram tal lesão.
Um paciente com fratura por baixo trauma do punho, quadril, úmero proximal ou tornozelo tem quase quatro vezes maior risco para fraturas futuras. Pacientes com uma fratura vertebral terão novas fraturas vertebrais no prazo de três anos, muitos já no primeiro ano. Um paciente com uma fratura vertebral tem quase cinco vezes mais risco de uma futura lesão semelhante e o dobro do risco para fratura do quadril e outras fraturas não vertebrais. Pacientes que sofreram fratura do punho têm quase duas vezes o risco relativo de uma futura fratura do quadril.
Fraturas secundárias ocorrem rapidamente após a primeira fratura. O risco de fraturas subsequentes parece ser maior, logo após uma fratura, especialmente no primeiro ano. Pacientes que tiveram uma fratura do quadril formam o grupo de maior risco para fraturas futuras e devem ser priorizados para avaliação e início de tratamento para evitar outras fraturas secundárias.
Ao contrário do que se possa imaginar, esses pacientes podem se beneficiar muito do tratamento. Iniciativas para evitar fraturas secundárias (subsequentes) devem ser oferecidas a todo homem e mulher acima dos 50 anos que tiveram fraturas por fragilidade, pois essas fraturas podem preceder uma fratura do quadril no ciclo que uma fratura conduz a outra (“cascata fraturária”).Uma fratura por fragilidade inicial é o suficiente para requerer uma avaliação que inclui medição da densidade mineral óssea com avaliação do risco de fratura e início de tratamento, se não houver alguma contraindicação formal.
O mais alto nível de evidências demonstra que a osteoporose pode ser tratada e dessa forma diminuir a probabilidade de futuras fraturas. Cerca de 50% de todos os casos de fratura de quadril vêm de 16% da população feminina pós-menopausa com história de fratura. Prevenção secundária, portanto, apresenta uma oportunidade para intervir em cerca de metade de todos os pacientes de fratura de quadril.
O impacto das fraturas por fragilidade
No Brasil, o número de pessoas que têm a doença chega a10 milhões e os gastos com o tratamento e a assistência no Sistema Único de Saúde (SUS) são altos. Só em 2010, o SUS gastou aproximadamente R$ 81 milhões para a atenção ao paciente portador de osteoporose e vítima de quedas e fraturas. As projeções estimam que o número de fraturas de quadril por ano no Brasil (em 2010 cerca de 121.700) deve chegar a160 mil até 2050.21,22Estudo recente da Clínica Mayo demonstrou que entre 2000e 2011 houve 4,9 milhões de hospitalizações por fraturas osteoporóticas, 2,9 milhões por infarto agudo do miocárdio (IAM), três milhões por AVC e 700 mil para câncer de mama. Fraturas osteoporóticas significaram mais de 40% das hospitalizações nesses quatro desfechos, assim como o tempo de permanência hospitalar. O custo hospitalar foi maior para as fraturas osteoporóticas (US$ 5,1 bilhões), IAM (US$ 4,3 bilhões), AVC (US$ 3 bilhões) e câncer de mama (US$ 0,5 bilhão).
Tratamento medicamentoso
Medicamentos para o tratamento da osteoporose podem ser divididos em dois grupos: 1) Os inibidores da reabsorção óssea que atuam bloqueando a ação dos osteoclastos. São os bisfosfonatos, os SERMS (moduladores de receptores de estrógenos), a calcitonina, os estrógenos e o denosumabe. 2) Os ativadores da formação óssea que atuam como anabolizantes, aumentam o metabolismo ósseo, com predomínio de formação óssea por estimulação dos osteoblastos. São o hormônio das paratireoides (PTH), seu similar, a teriparatida, o hormônio do crescimento (GH) e os metabolitos ativos da vitamina D (alfa-calcidol e calcitriol).
O ranelato de estrôncio apresenta duplo modo de ação, atua tanto na inibição da reabsorção quanto na estimulação da formação óssea. Os bisfosfonatos reduzem as fraturas vertebrais e não vertebrais de 40 a 50%. São indicados em mulheres e homens e na osteoporose secundária induzida por corticoides. Encontram-se disponíveis por via oral e injetável em diversas posologias (uso diário, semanal, mensal, trimestral e anual).
O raloxifeno é o SERM mais usado para prevenção e tratamento da osteoporose. Em três anos de avaliação em mulheres com osteoporose houve aumento da densidade mineral óssea em coluna vertebral e colo do fêmur com redução do risco de fratura vertebral. A calcitonina é apresentada em spray nasal ou SC para uso diário. Demonstrou redução de fraturas vertebrais em 36% dos pacientes, sem redução de fraturas do quadril e sem significante alteração tanto da densidade mineral óssea como do metabolismo ósseo. A terapia de reposição estrogênica é indicada para o tratamento preventivo da osteoporose. É uma opção que deve ter seus riscos e benefícios discutidos entre a paciente e o seu ginecologista.
O denosumabe, um anticorpo monoclonal, reduziu a incidência de novas fraturas vertebrais e fraturas do quadril em mulheres pós-menopausadas com risco elevado de fraturas. Sua posologia cômoda (uma aplicação subcutânea a cada seis meses) facilita a adesão ao tratamento. Os metabolitos ativos da vitamina D, calcitriol e alfacalcidol, aumentam a absorção de cálcio, podem ter efeito direto nas células ósseas e também reduzir a incidência de fraturas. Os derivados ativos da vitamina D têm sido indicados emidosos debilitados, reclusos, pouco expostos ao sol, com osteoporose na dose de 0,5mcg/dia. Os resultados em relação à prevenção de fraturas não são uniformes. O alfacalcidol pode diminuir a miopatia consequente do envelhecimento.
A teriparatida (PTH) tem efeito anabólico, estimula a reabsorção e formação, atua no mecanismo de acoplamento da remodelação óssea, promove grandes ganhos de massa óssea, diminui o risco de fraturas vertebrais e não vertebrais, aumenta a massa óssea em vértebras, fêmur e corpo total. Seu uso é seguro e bem tolerado tanto para homens como para mulheres. Indicado em osteoporose grave e com fraturas, tem grande efeito em osteoporose induzida por corticoides, persistem efeitos seis meses depois de retirada. Os estudos atuais conduzem para uso durante dois anos, daí a terapia é continuada com bisfosfonatos ou denosumabe. O ranelato de estrôncio atuando tanto na inibição da reabsorção quanto na estimulação da formação óssea demonstrou eficácia para redução de fraturas vertebrais, não vertebrais e quadril.
Atividade física, cálcio e vitamina D
O pico de maturação do esqueleto acontece entre os 20 e 30 anos, com nutrição adequada e atividade física habitual disponível para todas as pessoas podem ser alcançados níveis mais altos de massa óssea, que forma um banco de reserva de cálcio, cujos depósitos serão gastos no período de envelhecimento e retardam ou impedem a osteoporose, principalmente nas mulheres. O esqueleto em crescimento ganha massa óssea por meio dos exercícios de impacto, na idade adulta ajuda a manter a massa óssea adquirida, no envelhecimento diminui as perdas, mantém o tônus muscular e colabora para diminuir as quedas.
Todos os pacientes com perda óssea, ou em potencial de risco para perda, devem ser aconselhados para o uso alimentar de cálcio e vitamina D ou suplementos. A absorção do cálcio diminui com a idade. O cálcio ingerido pelas crianças é absorvido em torno dos 75%, nos adultos de 30 a 50%. A vitamina D ativa a absorção do cálcio intestinal e é necessária sua suplementação em pessoas idosas, sedentárias ou internadas.
Lacuna no tratamento
Apesar da evidência substancial de que uma fratura prévia resulta em aumento do risco de fratura posterior, menos de 30% das mulheres pós-menopáusicas e menos de 10% dos homens com fratura prévia são tratados. Independentemente da disponibilidade de medicamentos que reduzem o risco de refratura em 25 a 70%, a maioria dos pacientes com fraturas osteoporóticas incidentes não é investigada nem tratada. A prática atual resulta que 80% dos pacientes com fraturas por fragilidade nem são avaliados nem tratados para osteoporose ou prevenção de quedas para reduzir a incidência futura de fraturas. A consequência dessa lacuna no tratamento é o número incontável de fraturas que poderiam ser evitadas, que afligem nossos idosos e custam milhões de dólares no mundo inteiro.
Prevenção secundária
Tratamento iniciado precocemente após uma primeira fratura pode diminuir taxas de fratura recorrente entre 30 e 60%. Tratamento antiosteoporose após o reparo de uma fratura de quadril por trauma mínimo foi associada a uma redução na taxa de novas fraturas clínicas e menor mortalidade, com maior sobrevivência. Pacientes que sofreram uma fratura do quadril são o grupo de maior risco para as fraturas subsequentes e devem ser priorizados para início do tratamento para evitar fraturas secundárias. Ao contrário de suposições comuns, esses pacientes podem se beneficiar muito com um tratamento.
Vários estudos têm mostrado que a persistência e conformidade para tratamento da osteoporose é pobre, resulta em eficácia sub ótima (em condições reais de tratamento). Pacientes não aderentes tiveram mais comorbidades, foram mais frágeis e tiveram mais gastos com saúde. Em cada ambiente relatado, o FLS (Fracture Liasson Service– Serviço de Apoio a Fraturas) é a ferramenta mais eficaz. Um FLS é um serviço dedicado a tratar pacientes após uma fratura por fragilidade. Talvez o único eficaz para uma mudança do panorama vigente. Essa abordagem cria um continuum de cuidados que permite superar as lacunas em investigação e intervenção pós-fratura e a desnecessariamente alta incidência de fraturas subsequentes.
O FLS de Glasgow já atendeu um milhão de pessoas desde a virada do século. A análise de custo-efetividade revela que para cada 10 mil pacientes atendidos pelo FLS comparado como atendimento comum no Reino Unido, 18 fraturas eram evitadas, incluindo 11 de quadril, com uma economia equivalente a 33.600 dólares. O Programa Healthy Bones da seguradora Kaiser Permanente é o maior programa de prevenção de fraturas por fragilidade no mundo. Conduzido por ortopedistas, é altamente focado em reduzir a incidência de fraturas em 20% em cinco anos. O programa iniciou apenas com fraturas de quadril e à medida que foi sendo comprovada a sua efetividade, mais recursos foram sendo injetados e atualmente atua na prevenção secundária e também primária. Em 2009, após sete anos do Programa integrado aos 11 Centros Médicos da Kaiser no sul da Califórnia, a taxa de redução de fraturas do quadril superou 40%.
Prevrefrat – a experiência brasileira
O Prevrefrat (Programa de Prevenção a Refraturas) é um serviço que se destina a tratar pacientes que já tiveram fraturas por pequeno trauma (ex: queda da própria altura) decorrentes da osteoporose. Prestes a completar quatro anos de funcionamento, é desde 2013 referência mundial na prevenção de novas fraturas. O Prevrefrat, por meio de seu coordenador, tem difundido a filosofia da prevenção secundária de fraturas e auxiliado decisivamente na implantação de outros serviços em todo o Brasil. O Prevrefrat é um dos FLS mais respeitados do mundo, classificado como padrão-ouro, conforme demonstra a figura 1.
Metodologia do Prevrefrat
A primeira consulta é uma breve entrevista para verificar se ocaso se encaixa no programa. O passo seguinte é o cadastramento no programa, que coleta dados referentes ao histórico médico, aos hábitos de vida e à fratura ocorrida. Após isso, são feitas radiografias da fratura e da coluna dorsal e lombar em perfil e densitometria óssea.
São solicitados exames laboratoriais (dosagem de cálcio, creatinina, 25OH vitamina D e PTH – eventualmente outros conforme a necessidade) e é marcada uma nova consulta (em média quatro semanas após) para avaliação dos exames. Se for detectada causa secundária, o paciente é encaminhado a outros especialistas.
No caso de osteopenia ou osteoporose primária, se não houver contraindicação, faz-se uma infusão venosa anual do ácido zoledrônico ou uma aplicação subcutânea de denosumabe (se o clearence de creatinina for menor do que 35). Também é feita suplementação de cálcio e vitamina D, segundo critérios estabelecidos pelos guidelines internacionais.
A critério médico é fornecido um DVD com 14 exercícios para serem feitos em casa. A próxima consulta é marcada (em média três meses após). No primeiro ano, as consultas são trimestrais a após isso passam a ser semestrais. A opção de usar medicamentos injetáveis (fornecidos pelo Hospital Federal de Ipanema) de uso anual ou semestral no protocolo clínico do Prevrefrat se dá em função do baixíssimo grau de adesão às drogas orais (mais de 70% dos pacientes não completam um ano de tratamento). Uma má adesão influi decisiva e negativamente no desfecho de evitar novas fraturas. A gravidade do quadro dos nossos pacientes não nos permite usar drogas com esse baixo perfil de adesão.
Trabalhos apresentados no IOF World Congress de 2014 demonstraram 100% de adesão em pacientes com fratura de quadril e 85% nas fraturas não quadril. Os resultados a seguir comprovam que essa opção é correta e efetiva.
Resultados do Prevrefrat
Em três anos e 10 meses foram acompanhados 450 pacientes e ocorreram 12 fraturas, nenhuma do quadril. Ou seja, uma taxa de redução de mais de 97% de fraturas subsequentes.
Dimensão ética da prevenção secundária de fraturas
O paciente mais idoso normalmente se apresenta com a primeira fratura para um setor de emergência ou para um ortopedista, que tem a habilidade e a expertise de gerenciar o quadro agudo e reparar as fraturas. No entanto, há uma dimensão adicional: o conhecimento de que a fratura ocorreu em alguém com baixa resistência óssea identifica essa pessoa como tendo um risco acrescido para a futura fratura. Há o mais alto nível de evidência, a osteoporose pode ser gerenciada para diminuir a probabilidade de fraturas futuras. Os dados demonstram claramente que uma alta proporção de fraturas secundárias pode ser evitada por condutas apropriadas e que uma fratura inicial por fragilidade é motivo suficiente para exigir uma avaliação completa, incluindo medição de densidade mineral óssea e avaliação de risco e início de tratamento. Poder-se-ia argumentar que, em muitos casos, nem o ortopedista nem o médico de emergência seria a pessoa ideal para dar início a tal investigação e tratamento, mas isso não deve absolvê-los da responsabilidade de garantir que o paciente ou a família esteja plenamente consciente do risco e encaminhar para uma adequada avaliação e acompanhamento. A subjacente fragilidade óssea e o risco de fraturas aumentado podem ser gerenciados posteriormente por ortopedistas, endocrinologistas, reumatologistas, geriatras e outros profissionais de saúde, além da colaboração de profissionais envolvidos na reabilitação. Os dados são suficientemente convincentes para caracterizar o encaminhamento apropriado como uma obrigação de fazer a coisa certa, fornecer um caminho para o melhor resultado. Qualquer conduta diferente dessa certamente ficará aquém das normas éticas e clínicas aceitáveis.
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