Certamente você conhece alguém que torceu o tornozelo, rompeu um tendão ou sente dores crônicas no joelho. Ou você mesmo já tenha passado ou esteja passando por um desses desconfortos. Infelizmente, lesões desse tipo são cada vez mais comuns. Basicamente por dois motivos: o número maior de pessoas que estão praticando uma atividade física, o que predispõe ao risco de machucados, e também porque a população está envelhecendo, o que aumenta a possibilidade de quedas que resultam em algum tipo de ferimento. Mas, como contraponto a essa realidade nem um pouco animadora, pelo menos você pode saber que a medicina está conseguindo responder a esse aumento de demanda com a oferta de recursos capazes de garantir a cura das lesões de maneira rápida, eficaz e com menos dor. Em outras palavras, a ciência está evoluindo de modo fantástico rumo à regeneração do corpo.
A APLICAÇÃO DE PLASMA RICO EM PLAQUETAS ACELERA A RECUPERAÇÃO DE TENDÕES E DIMINUI A INFLAMAÇÃO NOS COTOVELOS
Os exemplos dos avanços podem ser vistos em muitas áreas. A começar pelo diagnóstico do que pode estar errado. Até pouco tempo atrás, identificar a razão pela qual uma pessoa sofria com uma dor crônica no joelho ou nos braços, por exemplo, era um desafio. Hoje, fatores como o avanço na qualidade dos exames de imagem mudaram esse quadro. Um bom exame de ressonância magnética aponta claramente os casos que necessitam de intervenções mais agressivas. Um trabalho realizado no Neuroskeletal Imaging, centro de radiologia localizado na Flórida (EUA), provou que esta tecnologia, particularmente, é eficaz nesta tarefa. Os médicos analisaram os resultados de avaliações feitas em 49 pacientes que se queixavam de dor no pulso. “Enxergamos a causa do problema”, disse Thomas Magee, autor do estudo. “E alguns casos não necessitavam de cirurgia.”
No Laboratório do Movimento, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, há outra evidência dos progressos nesse campo. Lá, a reunião de algumas tecnologias possibilita a identificação precisa de alterações na marcha e a aferição da gravidade e extensão de lesões nas pernas, nos braços, cabeça ou tronco. “Os equipamentos auxiliam na avaliação do movimento, da velocidade, dos ângulos e das forças que incidem nas articulações”, explica o ortopedista Amâncio Ramalho Junior, coordenador do laboratório. “Desta maneira, é possível sugerir os procedimentos corretos para a solução do problema.”
A chance de já começar sabendo com o que se está lidando abriu uma nova fronteira no cuidado com as lesões, permitindo intervenções cada vez mais delicadas. É por isso que boa parte das novidades se concentra em métodos que atingem somente os pontos lesados, reduzindo ao máximo os danos aos tecidos saudáveis. E de preferência que possam ser utilizados sem precisar submeter o paciente a uma operação.
Nessa linha, um recurso que tem apresentado bons resultados, em especial contra as inflamações nos tendões, é a terapia por ondas de choque. O método é simples: um aparelho emite ondas acústicas, como se fossem ondas de rádio. “Elas quebram as calcificações nos tendões e o organismo reabsorve os fragmentos”, explica o ortopedista Rodrigo Kaz, membro da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos.
O que também ganha espaço é a aplicação de plasma rico em plaquetas. Conhecida como PRP, a técnica consiste na retirada de uma amostra de sangue do paciente e a posterior separação das plaquetas. Essas células são repletas de substâncias que estimulam o crescimento de novas células, contribuindo para a regeneração dos tecidos. Por isso, depois de isoladas, são injetadas nas áreas atingidas. Entre as indicações estão tendinites e lesões musculares nas coxas e panturrilhas. O empresário Izzy Amiel, 50 anos, só se livrou das dores provocadas por um estiramento na panturrilha direita com a PRP. Ele se machucou jogando futebol. “Tentei vários tipos de fisioterapia, mas nada resolvia”, lembra. “Com a PRP, voltei a jogar em três semanas.”
PESQUISAS MOSTRAM QUE AS CÉLULAS-TRONCO PODEM SERVIR PARA GERAR CARTILAGEM
Desde que se descobriu que o corpo possui recursos próprios para regenerar estruturas como cartilagens e tendões, a estratégia de usar esse potencial passou a ser uma das apostas mais fortes da medicina para curar lesões. Em princípio, ela não é difícil de ser aplicada e não apresenta nenhum risco de rejeição, já que o material usado é do próprio doente. Além disso, a recuperação é mais rápida. Por isso, além da PRP, surgem outras alternativas do gênero.
A aplicação de condrócitos é uma delas. Essas células são chamadas de precursoras de cartilagem. Ou seja, são elas que vão gerar o tecido. O que se faz, nesse caso, é extraí-las do paciente, multiplicá-las em laboratório e injetá-las na área a ser tratada. “Usamos esta técnica em lesões no joelho que ultrapassem dois centímetros quadrados”, explica o ortopedista Ari Zekcer, do Hospital São Luiz, em São Paulo. Foi o caso da contadora paulistana Bernadete Conceição, 40 anos. Desde os 20, ela sofre de uma degeneração na cartilagem patelar (sem causa definida) dos dois joelhos.
Na tentativa de se livrar da dor, se submeteu primeiramente a uma cirurgia para a raspagem dessa cartilagem. “A esperança era de que um novo tecido nascesse”, conta. Não funcionou. Depois ela fez o implante de condrócitos e acredita estar bem melhor. “Ainda faço fisioterapia e tomo remédio para dor de vez em quando. Mas, como é um problema degenerativo, acredito que estaria muito pior se não tivesse feito o procedimento.”
Na Universidade de Rush, nos EUA, os cientistas estão testando algo parecido. O que eles fazem é extrair pedaços de cartilagem saudável que ainda reste no joelho e fragmentá-los. Depois, eles são colocados em um molde, sobre o qual proliferam e, em seguida, são recolocados no local lesionado. “Nosso objetivo é obter uma cartilagem que se aproxime muito da original, machucada”, explica Brian Cole, coordenador do trabalho.
UM EXAME DISPONÍVEL NO BRASIL IDENTIFICA EVENTUAIS ALTERAÇÕES NA MARCHA DOS INDIVÍDUOS
Nesse campo, uma das grandes promessas são as células-tronco. Capazes de gerar a maioria dos tecidos do corpo, elas têm sido estudadas por seu potencial de criar cartilagem. No Brasil, um dos grupos com pesquisas na área é o do ortopedista Mario Ferretti, do Programa do Aparelho Locomotor do Hospital Albert Einstein. “Mas por enquanto os estudos estão apenas em nível de laboratório”, explicou o médico.
Mesmo quando as cirurgias são imprescindíveis, o paciente dispõe de alternativas bem menos agressivas. “Isso é importante para que ele retorne às atividades mais rapidamente”, afirma o médico Moises Cohen, professor de ortopedia e traumatologia do esporte da Universidade Federal de São Paulo. Essas intervenções são possíveis graças a uma feliz combinação de fatores. “Entre outras coisas, usamos materiais mais modernos”, explica o ortopedista Arnaldo José Hernandez, chefe do Grupo de Medicina do Esporte do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo.
HOJE, HÁ ÊNFASE PARA QUE O PACIENTE REALIZE EXERCÍCIOS LEVES POUCAS SEMANAS APÓS CIRURGIAS
O material metálico dos parafusos usados em algumas operações, por exemplo, está sendo substituído por outro, absorvível, mais semelhante ao osso. “Utilizando esses recursos, com um mês você pode fazer um exame e ter mais certeza de que uma lesão está cicatrizada. Se estiver, o paciente está liberado para as atividades normais”, diz Hernandez.
O material empregado na reconstrução do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo do publicitário paulistano William Possato, 26 anos, era bioabsorvível. Ele se machucou durante um jogo de basquete, em dezembro do ano passado. Em janeiro, fez a cirurgia e, cinco meses e meio depois, estava de volta às quadras. Além disso, foi aplicada em sua cirurgia outra técnica que minimiza complicações. Chamada de regeneração de dupla banda, torna o ligamento mais forte. “O médico fez uma dobra no tendão usado para reconstruir o ligamento, deixando-o mais grosso e resistente”, explica Possato.
O auxílio dos aparelhos de imagem durante os procedimentos também contribui. Um experimento descrito há três meses no jornal científico “Radiology”, por exemplo, mostrou que o uso de ultrassom permite que se trate com eficácia e poucos danos a calcificação no manguito rotator – músculos que dão força e mobilidade para os ombros. Guiado pelas imagens obtidas pelo aparelho, o cirurgião faz duas pequenas incisões: por uma ele injeta uma solução salina que quebra os nódulos de cálcio que causam a dor e por outra uma cânula aspira os fragmentos.
Um aparelho de alta tecnologia chamado arco cirúrgico, que também revela ao médico as imagens do local, é outro instrumento, neste caso usado para tornar mínimas as incisões em cirurgias de lesões no fêmur, por exemplo. “O paciente quase não sangra, a recuperação é mais rápida e o risco de infecção, menor”, explica o ortopedista João Matheus Guimarães, chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, no Rio de Janeiro. Muitas das intervenções também estão tendo a ajuda da robótica. Engenheiros biomédicos da empresa americana Mako criaram um “braço” robótico que, além de apontar com precisão o lugar da incisão a ser feita no joelho, impede que o cirurgião se aproxime do tecido saudável por meio de alarmes sonoros e visuais.
É interessante observar também a modernização nos cuidados pós-cirurgia. Algumas ideias estão caindo por terra, como a de que não se pode fazer exercícios por um bom tempo após uma cirurgia de colocação de prótese de joelho. Uma pesquisa divulgada na publicação científica “Arthritis Care & Research”, por exemplo, revelou que a realização de sessões semanais de alongamento um mês após a cirurgia melhorou a recuperação dos pacientes.
No Brasil, essa mentalidade também começa a imperar, dando fôlego para uma prática chamada recuperação funcional. “O paciente precisa começar a trabalhar a articulação precocemente. Não se pode esperar que forme fibrose”, diz Júlio César Nardelli, médico da seleção brasileira de voleibol feminino. O resultado é evidente. Antes, uma luxação de ombro obrigava o paciente a ficar no mínimo 30 dias com o braço imobilizado. Hoje, com o tratamento funcional, fica em média apenas de duas a três semanas.
PESQUISA Hopkins detectou danos a músculos e ligamentos nos tornozelos após torções
Além disso, há a disponibilidade de aparelhos que aceleram a consolidação óssea. Um deles é o Physio-Stim, produzido pela Orthofix. De acordo com o médico José Luiz Zabeu, de Campinas, ele acelera o processo em até 30% em pacientes saudáveis. A paulista Marilena Missako, 57 anos, usou o equipamento após ter sofrido uma fratura no fêmur direito, no ano passado. “Deu bons resultados.” Agora, espera contar com o mesmo auxílio para tratar outra fratura, desta vez no fêmur esquerdo.
Todos esses avanços têm origem, na verdade, no imenso conhecimento que está se obtendo da anatomia humana e sobre como as estruturas do corpo estão interligadas. Um artigo publicado na edição de maio do “American Journal of Sports Medicine”, por exemplo, mostrou que, quando se rompem os ligamentos do tornozelo, músculos das pernas acabam afetados. O problema é que, enfraquecidos, podem se tornar fonte de dor, além de perder função. “Por isso é importante estar atento a eles também após um acidente”, diz o pesquisador Ty Hopkins, coautor do estudo. Com suas conclusões, o trabalho evidencia o fato de que, quando se trata de lesões, é fundamental que os médicos observem também outros aspectos, além do próprio machucado.
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